Uma abrangente verificação da utilização de animais na medicina brasileira
Uma abrangente verificação da utilização de animais
na medicina brasileira
Jeremy Hance,
mongabay.com
12/03/2008
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Por milênios animais foram utilizados na medicina como remédios.
Embora esta prática tenha quase desaparecida nos países ocidentais,
muitas culturas ainda empregam medicina tradicional, que inclui remédios
derivados de animais. Provavelmente, os mais famosos são os chineses
que utilizam, por exemplo, cavalos-marinhos para uma variedade de doenças
e chifre de rinoceronte como afrodisíaco. Menos conhecida e estudada,
embora tão variada e rica é a longa tradição brasileira
de remédios de animais para todos os tipos de doenças. Um estudo
recente foi executado para documentar a grande variedade de animais utilizados
na medicina tradicional brasileira e as possíveis conseqüências
para populações animais, o meio ambiente e a sociedade brasileira.
Jaguar in Colombia Caiman in Colombia |
A longa e caótica história do Brasil tem afetado a utilização
de animais em remédios brasileiros. A colonização do Brasil
pelos europeus e o subsequente comércio de escravos, reuniu três
linhagens de pensamentos médicos: indígenas, europeus e africanos.
Os sistemas indígenas e africanos de medicina foram oprimidos pelos colonizadores,
mas permaneceram forte nas comunidades locais. Finalmente, estas duas vertentes
se misturaram. Enquanto ervas medicinais predominam nestes sistemas, os remédios
de animais desempenham também um papel importante.
Para entender os remédios contemporâneos de animais no Brasil,
os cientistas, que realizaram este estudo marcante, visitaram os mercados locais
e entrevistaram os comerciantes em vários locais. Para fazer este estudo
verdadeiramente abrangente eles estudaram relatórios e artigos anteriores.
O relatório identificou 283 espécies sendo usadas para fins medicinais.
Quase todas elas são capturadas no estado selvagem e 75 delas estão
numa ou mais listas de espécies ameaçadas. Das 283 espécies,
peixes são os mais utilizados (83 espécies), seguido por mamíferos
(54), répteis (42), pássaros e insetos (ambos 33). Os animais,
ou, mais frequentemente, uma parte deles, são usados para curar inúmeras
doenças respiratórias, de envenenamentos e de parasitas. Por exemplo,
uma serpente da espécie boa, da árvore esmeralda americana, inteira
misturada com álcool é usado para curar picadas e mordidas de
animais. Um cavalo-marinho esmagado em um chá é acreditado para
aliviar tudo de alcoolismo ao câncer. O Coraliomela brunnea, um tipo de
besouro, é utilizado para tratar a epilepsia. Gordura do Tapir brasileiro
– esfregado no corpo ou tomado como chá – é empregada para ajudar
a asma, reumatismo, amigdalite, e outras enfermidades. Muitos desses animais
adicionalmente são utilizados como fontes de alimentos, lembranças,
ou em rituais mágicos. Os rituais de religiões afro-brasileiras
são muitas vezes parte da cura de uma doença física ou
psicológica, espiritual.
Dr. Romulo R.M. Alves, que é um dos principais cientistas do presente
relatório, afirma que no âmbito do direito brasileiro o comércio
é ilegal sem saída para uso sustentável ou direitos culturais.
Ele cita o artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais para deixar esta questão
bem clara: "Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes
da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão,
licença ou autorização da autoridade competente, ou em
desacordo com a obtida, constitui crime." 8 multas de um indivíduo
podem chegar a 50.000 dólares americanos, uma soma incrível considerando
que a maioria das vendas e captação ocorre nos ambientes mais
pobres do Brasil, nas áreas rurais. Contudo, o Dr. Alves confirma que
a lei é raramente aplicada porque tem muito pouco "patrulhamento
ou prevenção" e "apesar das leis, a utilização
e o comércio das espécies para fins medicinais persiste, e é
fortemente associado por fatores socioeconômicos e culturais". Devido
a essas leis, o comércio tornou-se clandestino. Para muitos, esse mercado
secreto é o acesso mais viável (e de vez em quando culturalmente
preferível) à tratamento de saúde. Apesár do sistema
de saúde no Brasil ser público, os tratamentos detalhados e tecnológicos
são reservados à aqueles que têm dinheiro para pagar por
eles. O uso de remédios tradicionais e rituais oferecem um modo econômico
de cura para grande parte da população, mas isso não significa
que brasileiros ricos não procuram por eles também. A medicina
tradicional é uma profunda parte da herança cultural brasileira.
Uma vez que muitos dos animais usados para medicamentos estão ameaçadas
de extinção (ou pouco conhecidos), existe uma grande preocupação
que esse comércio possa acrescentar pressão sobre as populações
já frágeis de animais. Entrevistando comerciantes, Dr. Alves concluio
que "a maioria admite uma redução da disponibilidade de algumas
espécies, o que pode ser um sinal da diminuição das suas
populações naturais. Porém, eles não estão
associando essa diminuição diretamente a exploração
para medicamentos, e em vez eles indicaram outros fatores que estão relacionados
com a "diminuição" da espécie. Esses fatores
são "desmatamento, poluição e destruição
das florestas". Dr. Alves vê estes fatores como válidos e
acrescenta outros: "o aumento da população [brasileira] e
os avanços contínuos tecnológicos, agravados pela pobreza
e pela falta de melhor distribuição de renda"
Dr. Alves quer assegurar que estes animais estarão disponíveis
em números sustentáveis para as gerações futuras.
O relatório considera a necessidade de estabelecer um equilíbrio
entre a procura de medicamentos tradicionais e as populações de
animais que fornecem estes medicamentos, incluindo um processo de quatro passos
para assegurar a proteção dos animais:
- Estimar o número de indivíduos por espécie a ser utilizados
para medicamentos. - Avaliar o estado de conservação e as populações
destas espécies. - Desenvolver um programa de pesquisa em colaboração e acompanhamento
do comércio. - Finalmente, considerar qualquer controle clínica ou sanitária.
O relatório conclui, que esse processo deve ser alcançado com
a ajuda de ambientalistas que entendam da cultura e das crenças religiosas
que levam a remédios de animais.
Esperamos que, com dedicação, compreensão, e as novas
medidas de conservação o equilíbrio necessário possa
ser encontrado.