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Produção de energia a partir de celulose pode causar colapso da Amazônia

Produção de energia a partir de celulose pode causar colapso da Amazônia

Produção de energia a partir de celulose pode causar colapso da Amazônia
mongabay.com
Tradução Junia Faria
24/03/2008





A próxima geração de bicombustíveis pode acarretar o colapso ecológico da fronteira Amazônica e trazer conseqüências econômicas inesperadas para a região, alerta um estudo publicado no jornal Philosophical Transactions of the Royal Society B.



O Dr. Donald Sawyer, professor associado do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS UnB) e pesquisador do Instituto Sociedade, População e Natureza, escreve que “ao interagir com mudanças climáticas e mudanças no uso da terra, o emergente mercado de energia a base de celulose pode resultar em um colapso da nova tecnologia, criando vastas áreas de pastagem degradadas.” A mudança poderia aumentar a incidência e gravidade de incêndios, reduzir índices pluviométricos em importantes zonas agrícolas, agravar o ressecamento das plantas e as mudanças climáticas, e piorar a instabilidade social na área. Sawyer diz que apesar de difíceis para antecipar, as piores conseqüências provavelmente podem ser evitadas se promovido “o uso intensificado e sustentável” de áreas já desmatadas, minimizando o desflorestamento e incentivando “o uso sustentável dos recursos naturais pelas comunidades locais.”



Histórico do uso da terra na Amazônia



Sawyer revisou o histórico do uso da terra na Amazônia e no Cerrado, separando as mudanças tecnológicas na região em quatro etapas: extração, bens agrícolas, agroenergia e energia a base de celulose. A fase extrativista começou logo que os europeus falharam em produzir cana-de-açúcar na Amazônia, por causa da falta de mão-de-obra e da descoberta de outros produtos valiosos na floresta — incluindo temperos, plantas medicinais, cacau, castanhas do Para e borracha. A extração desses produtos era geralmente sustentável — resultando em poucos danos permanentes para a floresta — e aumentou ate atingir o seu ápice com o boom da borracha na primeira metade do século 20.



Credito Aliança da Terra

Nas duas décadas seguintes ao colapso do mercado de borracha na Amazônia causado pelo estabelecimento de plantações concorrentes no Sudeste Asiático, a região teve sua economia estagnada. Nos anos 60, iniciativas de desenvolvimento promovidas pelo governo — incluindo a expansão de infra-estrutura e incentivos financeiros pra os agricultores — somadas a inovações no setor agrícola levaram a segunda etapa proposta por Sawyer: o crescimento da indústria de bens agrícolas, especialmente gado e soja.



“A substituição da prática extrativista por agronegócios e pela produção de bens agrícolas, principalmente o plantio de alimentos e a criação de gado, assim como a especulação em relação a terra, causaram desflorestamento que chegou a atingir 29 000 km2 por ano em 1994-1995,” Sawyer escreve. “Depois de 1990, houve grande crescimento no mercado de soja e depois de 2000, crescimento no mercado de carne, ambos direcionados para exportação.”



A expansão da produção agrícola levou diretamente ao terceiro estágio ha história de Sawyer: agroenergia.



Motivada por preocupações sobre segurança energética e emissões de gases causadores do efeito estufa (apesar de Sawyer dizer que se considerados os impactos totais do ciclo, a maioria das plantações para produção de energia emite uma quantidade de gases equivalente a liberada pela queima de combustíveis fósseis), a demanda global por bicombustíveis cresceu significativamente nos últimos dois ou três anos. O aumento na demanda fez subir o preço dos grãos, criando grande incentivo para a conversão da Amazônia em áreas para plantio.



Sawyer diz que os problemas relacionados à agroenergia — principalmente a competição com a produção de alimentos — podem levar a quarta fase tecnológica, em meados de 2015: energia a base de celulose. A matéria-prima pode ser plantada em terras marginais que não são adequadas para a produção de açúcar ou de grãos, em regiões mais próximas de mercados consumidores. Sawyer acredita que essa mudança pode trazer graves conseqüências para a produção agrícola nas áreas de fronteira da floresta.



“O ponto chave é a quantidade de energia necessária para transformar celulose. Se os custos energéticos forem muito altos, e a não ser que custos com produção e transporte possam ser reduzidos drasticamente, a produção de bicombustíveis em zonas periféricas pode perder sua vantagem competitiva e deixar de ser lucrativa,” ele escreve.



O impacto do avanço dos biocombustiveis na Amazônia



Sawyer analisa varias áreas onde o aumento na agroindústria causou repercussões ruins para a Amazônia, antes de apresentar o terrível cenário pra um futuro com a tecnologia da celulose.






Plantação de soja no Mato Grosso com floresta remanescente no fundo. Cortesia WHRC

Enquanto grande atenção é dada ao impacto causado pelo crescimento da indústria da soja na Amazônia, o cerrado tem sofrido ainda mais com a expansão agrícola. Sawyer cita pesquisas mostrando que o Cerrado está desaparecendo duas a três vezes mais rápido que a floresta Amazônica: 22,000-30,000 km2 por ano no cerrado contra 13,100 km2 em 2005-2006 e 9,600 na Amazônia em 2006-2007. No total “o desflorestamento acumulado no Cerrado fica entre 800,000 km2 e 1,600,000 km2, dependendo das estimativas, comparado a 700,000 km2 desmatados na Amazônia, que é duas vezes maior”. Cada vez mais esse desmatamento é causado pelas indústrias da soja e da cana, diz Sawyer.



Outros impactos ambientais resultantes do crescimento da agroindústria na Amazônia incluem erosão do solo, uso insustentável de água (a produção e processamento de 1 litro de etanol usam 4 vezes esse volume de água), poluição e sedimentação em vias aqüíferas locais, alem do aumento na emissão de gases causadores do efeito estufa. Existem repercussões socioeconômicas também:



Solos propícios para agricultura mecanizada na região Pan-Amazonica. Restrições incluem relevo (mais que 2% de inclinação), risco de inundação e solos pobres. Nepstad et al (2008).

“A concentração do uso da terra continua ou é agravada, já que monoculturas de cana-de-açúcar e soja precisam de grandes áreas para mecanização e, especialmente no caso da cana, para produção em escala suficiente. Há também concentração de renda. Produtores e processadores têm grandes lucros enquanto os trabalhadores são deslocados ou recebem baixos salários,” Sawyer escreve.



“Enquanto a soja elimina postos de trabalho, a cana envolve trabalhadores temporários. Apesar de a mecanização estar em progresso, 80% da cana-de-açúcar colhida no Brasil depende do trabalho manual de aproximadamente 1 milhão de trabalhadores sazonais,” continua. “As condições de trabalho são insalubres, e podem até levar a morte por exaustão, devido ao corte manual da cana, que requer dezenas de milhares de golpes de foice por dia… O deslocamento e o trabalho sazonal causam a destruição da agricultura familiar e das comunidades tradicionais… Finalmente, apesar da cana e soja produzidas no Brasil serem diferentes do milho produzido nos EUA, os preços dos alimentos estão subindo graças a competição pela terra no atual contexto de mercados crescentes de carne e grãos.”



Cana e soja estão competindo com a tradicional pecuária da região.



“Além dos efeitos diretos e indiretos da expansão das monoculturas de cana e soja, a pecuária extensiva está sendo deslocada para zonas de fronteira, aumentando ainda mais o potencial para desmatamento. Pecuaristas que vendem suas terras para produtores agrícolas compram fazendas 10 vezes maiores nas fronteiras, graças à diferença no preço da terra,” explica Sawyer.






Mosaico de floresta e agricultura. Cortesia do Instituto de Pesquisa Woods Hole.


“Apesar de existirem restrições ao plantio de cana-de-açúcar na Amazônia, não ha políticas especificas, nem nacionais nem internacionais, que limitem a expansão da criação de gado. A moratória da soja negociada em 2006 pelo Greenpeace se restringe ao acordo de não comprar soja de novas áreas desmatadas na Amazônia… Não há monitoramento do desmatamento fora da Amazônia.”



Etanol de Celulose: Um desastre a caminho?



Sawyer sugere que o boom dos bicombustíveis na Amazônia pode ter vida curta por causa do surgimento da tecnologia da celulose.



“Graças ao progresso técnico que permite a produção de etanol à base de celulose, os piores impactos causados pelos bicombustíveis podem vir na próxima década,” escreve. “O aparente crescimento da indústria do álcool e do biodiesel no Brasil pode acabar da mesma forma que a indústria da borracha. A diferença é que seu poder de devastação é bem maior. O resultado pode ser terras degradadas vulneráveis a incêndios, estruturas abandonadas, fazendeiros falidos e trabalhadores desempregados. O Cerrado e a Amazônia, não mais necessários para a produção de carboidratos ou plantas oleaginosas, podem se tornar pastagens devastadas.”



“Induzido direta e indiretamente pelas mudanças climáticas, o ressecamento e morte das plantas pode resultar em crise econômica, e instabilidade social e política. Com menos chuvas, ate mesmo o processo de desertificação pode ocorrer.”



Sustentabilidade: um caminho para evitar um desastre



Apesar do cenário devastador descrito acima, Sawyer argumenta que ainda ha tempo para evitar os piores impactos causados pela expansão agroindustrial na Amazônia. Começando com os países desenvolvidos, Sawyer sugere um caminho em direção a “neutralidade de carbono” através da redução no consumo.



“Compensações por emissões evitadas (com o plantio de arvores, por exemplo) devem ser parte do ajuste, e não apenas um substituto para a redução do consumo,” escreve.



No Brasil, Sawyer diz que a expansão a curto-prazo da produção de agro energia e “inevitável” mas que “biocombustíveis devem ser produzidos de maneira sustentável em áreas que já foram desmatadas e que possuem baixa produtividade” para minimizar o potencial de novos desmatamentos. A intensificação da agricultura vai reduzir ainda mais a necessidade de desmatar novas áreas e melhores políticas podem “melhorar o policiamento tanto em questões ambientais quanto sociais e aumentar os custos de quem insistir em desflorestar.”



Sawyer propõe que reformas sociais guiem comunidades rurais na direção de modos de vida sustentáveis, ao promover atividades tais como “a colheita de frutas e castanhas nativas, artesanato, produção de mel e plantas medicinais.” Compensação por serviços de ecossistemas pode ser um outra fonte de renda, especialmente através da criação de “políticas que favoreçam pequenos agricultores.”



“As perspectivas de mercado não devem ser restritas a certificação, fair trade e créditos de carbono, que normalmente acabam sendo muito limitados e discriminativos contra comunidades pobres e tradicionais”. “Uma alternativa e o estabelecimento de critérios eco-sociais para compradores, o mais importante sendo o não desmatamento de novas áreas. Países desenvolvidos poderiam abrir seus mercados para produtos sustentáveis, comprando madeira e outros produtos das comunidades locais.”, Sawyer conclui pedindo maior colaboração entre cientistas e poderes públicos, nos níveis nacional e internacional.



“As respostas para a questão das mudanças climáticas requer a elaboração de políticas apropriadas, incluindo diretrizes cientificas e tecnológicas, não limitadas a um bioma, mas indo muito alem” escreve Sawyer. “A geração e disseminação de conhecimentos ambientais e sociais para influenciar praticas publicas requer participação nacional e cooperação internacional por parte dos países responsáveis pela acumulação dos gases causadores do efeito estufa que agora causa sérios danos ambientais, chegando ate a Amazônia e o Cerrado.”



Donald Sawyer (2008). Climate change, biofuels and eco-social impacts in the Brazilian Amazon and Cerrado [FREE OPEN ACCESS]. Phil. Trans. R. Soc. B, DOI: 10.1098/rstb.2007.0026






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