Remessas financeiras e globalização podem ajudar o meio ambiente?
Remessas financeiras e globalização podem ajudar o meio ambiente?
Rhett A. Butler, mongabay.com
4/2/2008
Globalização e outras tendências econômicas parecem
estar ajudando a recuperar as florestas degradadas de El Salvador, relatam uma
nova pesquisa que avaliou o impacto do comércio mundial, mudanças
de políticas de terra e remessas para cobertura florestal.
O estudo, por Susanna B. Hecht da Universidade da Califórnia, em Los
Angeles e Sassan S. Saatchi do California Institute of Technology, usaram dados
socioeconômicos, levantamentos sobre utilização de terra,
e imagens de satélite para documentar aumentos significativos nas áreas
de El Salvador cobertos tanto por bosques leves e florestas, desde que os acordos
de paz foram assinados em 1992 no país destruído pela guerra.
“Mesmo onde a densidade populacional rural ultrapassou 250 pessoas por quilômetro
quadrado, nós documentamos um aumento de 22% na área com cobertura
de árvores de mais de 30% , e um aumento de 7% na área com cobertura
de árvores de mais de 60% ", eles escrevem. "Ressurgimento
de florestas refletiu processos incluindo guerra civil, a retração
da fronteira agrícola e migração internacional com remessas
associadas. Reforma agrária, ajustamento estrutural e idéias ambientais
emergentes também desempenharam um papel importante nas dinâmicas
de florestas.”
O resultado pode parecer surpreendente para muitos ativistas de conservação,
que na maioria das vezes associam a globalização com desmatamento
e degradação das florestas virgens. Hecht e Saatchi argumentam
que o papel das tendências econômicas e sociais, como a globalização
e remessas para recuperação florestal, até agora têm
sido negligenciados.
![]() Porcentagem de cobertura de árvores em El Salvador, origem de (topo) AVHRR (Advanced Very High Resolution Radiometer), numa resolução espacial de1km em 1992 e (embaixo) de MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), numa resolução de 500 metros em 2001. Imagens modificadas por Hecht e Saatchi em 2007. |
“Remessas são um elemento da globalização que está
realmente produzindo recuperação florestal em vez de destruição
florestal", disse Hecht à mongabay.com "Uma verdadeira mudança
estrutural nas economias de campo ocorreu. Eles não podem mais competir
com a agricultura industrializada, portanto seus mercados ficaram reduzidos. Isso
significa que a pequena agricultura para exportação não é
mais viável e populações rurais são dependentes de
remessas e de outras fontes de renda. Esta é uma história de uma
grande transformação.”
Remessas e não a densidade populacional são intimamente relacionados
à recuperação de cobertura florestal em El Salvador
Saatchi desenvolveu um modelo para testar o impacto relativo da população
e remessas sobre a cobertura florestal. Eles descobriram que "por cada ponto
percentual de aumento em remessas, tem 0,25 aumento da percentagem de terras com
30% ou mais cobertura de árvores. A correlação foi ainda
mais forte em áreas com maior cobertura de árvores. Inesperadamente,
os pesquisadores não encontraram correlação entre a cobertura
florestal e densidade populacional.
“Remessas podem ser especialmente importantes para a recuperação
florestal em El Salvador, permitindo que as pessoas nas zonas rurais comprem alimentos
sem precisar plantar e vendê-los," eles escrevem.
Hecht e Saatchi dizem que a guerra impulsionou o crescimento das remessas, causando
cerca de um sexto da população a fugir do país, principalmente
para os Estados Unidos. Estes migrantes, que em grande parte abandonaram o campo,
mais tarde enviaram dinheiro para os parentes os quais permaneceram no país
da América Central.
"A guerra formou um contexto que afinal, teve vários efeitos sobre
o meio ambiente, a economia política do país e a política
de uso do solo ", os autores explicam "Em El Salvador, a rápida
expansão da agro indústria fez a agricultura camponesa, e as áreas
de criação de gado diminuíram drasticamente por que a área
rural ficou perigosa demais, com bombardeamentos e massacres periódicos.”
Durante este período, fazendas e sítios foram abandonadas e El
Salvador chegou a depender de alimentos importados. Entretanto, rebeldes usaram
a floresta como uma defesa estratégica, impedindo colonos e fazendas
comerciais do desmatamento ou manutenção das terras agrícolas.
Depois que a paz foi restabelecida em 1992, o Governo salvadorenho "enfatizou
formas de desenvolvimento mais orientados pelo mercado do que dirigidos pelo
Estado, focalizou-se em setores urbano-industriais, promoveu a liberalização
de importações de alimentos e fortemente limitou crédito
para áreas rurais. Tudo isso prejudicou os mercados, o apoio econômico
e o faturamento dos pequenos agricultores ", escrevem Hecht e Saatchi "Em
2000, o faturamento real da agricultura tinha encolhido para 27% do seu valor
em 1970, criando um desincentivo forte para produzir, com o custo de produção
para a maioria das culturas excedendo os preços que poderiam ser alcançados.”
![]() Devido à pecuária e agricultura, na década de 1970 menos de 6% da floresta natural de El Salvador foi considerada virgem, de acordo com os autores. |
"Embora as exportações agrícolas fossem a principal
fonte de divisas em toda a história de El Salvador, a partir da década
de 1990 a agricultura tinha deixado de ser o principal setor econômico,”
eles continuam. "O modelo nacional de desenvolvimento passou de agricultura
de exportação para um modelo baseado em indústrias e serviços
bancários, mesmo que metade da população permaneceu rural."
Redistribuição de terras sob acordos de paz — que deu para donos
de terras títulos seguros sobre as propriedades — também teve uma
forte influência, incentivando os agricultores a gerenciar melhor os recursos
naturais. Hoje, a grande maioria dos agricultores em El Salvador são colonos.
Muitos deles participam em sistemas de produção mista – que mantém
uma matriz diversificada de paisagens agrícolas e florestas em regeneração.
Este sistema suporta níveis mais elevados de biodiversidade do que monoculturas
convencionais ou fazendas de pecuária.
"Estas pequenas fazendas têm um papel importante no fornecimento doméstico
e criam uma área rural altamente diversificada estruturalmente e ecologicamente,
especialmente porque a floresta de café de El Salvador mantém uma
consorciação muito mais diversificada do que é característico
para a maior parte da América Central, e são, em grande parte, de
pouca adubação ou sistemas orgânicos.” Hecht e Saatchi
escrevem
Hecht acrescenta que a estratégia de multiuso complementa a ecologia
natural da região, que é frequentemente servida de tempestades,
inundações e outras catástrofes.
“Há uma necessidade de se pensar nestas áreas menos como ambientes
frágeis e mais como paisagens flexíveis. Há muitas situações
onde existe dinamismo ecológico, especialmente na América Central
e lugares como o sopé dos Andes”, ela disse à mongabay.com
"Estes são locais de constantes catástrofes naturais –
testemunha disso é o furacão Felix passando neste momento. Essas
são áreas adaptadas às constantes mudanças. Após
a destruição, elas voltam a emergir.
"Devido a isso, este tipo de lugares é órfão de política",
ela continuou "Pode haver maneiras de reforçar a dinâmica
do ressurgimento da floresta, em lugares onde destruição tenha
ocorrido."
Diversidade estende-se à renda
Como as florestas continuam a se recuperar, as populações rurais
podem ver outras formas de rendimento a partir de serviços de restabelecimento
e manutenção dos ecossistemas.
![]() Remessas na América Central |
“Podemos começar a pensar nos colonos menos como produtores de mercadorias
— como foram considerados historicamente – mas muito mais como produtores
de serviços ambientais", explicou Hecht "Deixando a floresta
se recuperar, você restaura populações de abelhas que ajudam
com a polinização, mantém rios e igarapés, e consequentemente,
fornecerá hábitat. É importante entender que a matriz é
pelo menos tão importante na conservação, como as áreas
protegidas, particularmente em paisagens fragmentadas. Portanto, se você
melhora a qualidade da matriz – i.e. as áreas entre zonas de conservação
— você aumenta o potencial global para manter a biodiversidade e melhorar
os serviços ambientais.”
Por muito tempo considerados como vilões nos trópicos, Hecht e Saatchi
argumentam, que os colonos deveriam ser vistos pelos grupos de conservação
e políticos como parceiros-chave na promoção do ressurgimento
florestal. Os autores sugerem que, os grandes ganhos ambientais podem resultar
do estabelecimento de pagamentos por serviços ambientais, reduzindo os
impostos sobre remessas, promovendo transferências e inovações
técnicas para apoiar projetos ecológicos.
“Pessoas do ambiente rural ainda são os gestores da maioria das paisagens
tropicais e recursos naturais do mundo. Descobrindo situações nas
quais sua eficácia de conservação pode ser reforçada
e em quais podem ser recompensadas pelas ações que protejam o meio
ambiente, deveriam atrair cada vez mais a atenção dos políticos
e dos praticantes de desenvolvimento," escrevem os autores. "Aqueles
preocupados com a conservação tropical têm oportunidades extraordinárias
nas economias globalizadas, mas os antigos modelos de conservação
sozinhos não vão resolver os problemas. Independentemente das opiniões
acerca da economia política da globalização e da sua maneira
significativa destrutiva na configuração de fronteiras, existem
situações em que a história não é exclusivamente
uma de perda e fragmentação da floresta. Seria realmente lamentável
se antigos modelos nos cegassem para ver oportunidades novas.”
CITAÇÃO: SUSANNA B. HECHT AND SASSAN S. SAATCHI (2007). Globalização
e Ressurgimento da Floresta: Alterações na Cobertura de Florestas
em El Salvador, BioScience Setembro 2007/Vol.57 No.8 (663-671)
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