Florestas tropicais enfrentam milhões de ameaças diz um estudioso
Florestas tropicais enfrentam milhões de ameaças diz um estudioso
renomado da Amazonia. Mas existem razões para ser otimista, acrescenta
o biólogo William F. Laurance.
Rhett A. Butler, mongabay.com
12/2/2008
Uma entrevista com o biólogo tropical William F. Laurance.
William F. Laurance
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As florestas tropicais do mundo estão em apuros. Estimulada por um boom
global de commodities e contínua pobreza em algumas das regiões
mais pobres do mundo, taxas de desmatamento aumentaram desde o final de década
de 1990. As ameaças normais às florestas – conversão agrícola,
caça proibida à vida selvagem, extração descontrolada
de madeireira e construção de rodovias – poderão em breve
estar no mesmo nível ou até ultrapassadas pelas alterações
climáticas e o aumento dos níveis de dióxido de carbono
na atmosfera.
Entender essas ameaças é fundamental para a preservação
das florestas e dos seus serviços ecológicos para gerações
atuais e futuras. William F. Laurance, um ilustre estudioso e presidente da
Associação de Biologia Tropical e Conservação (ATBC)
– a maior organização científica do mundo dedicada ao estudo
e conservação de ecossistemas tropicais, está na vanguarda
deste esforço.
Laurance passou anos como alto funcionário cientista no Smithsonian
Tropical Research Institute estudando os impactos ecológicos da fragmentação
dos hábitats e da degradação das florestas tropicais. Ele
está ativamente envolvido nos esforços de conservação
e na política de desenvolvimento da Amazônia e da África
Central. Nesta atividade, Laurance recentemente defendeu uma estratégia
inovadora de compensar os países em desenvolvimento pela conservação
das suas florestas tropicais e assim ajudando a combater as mudanças
climáticas globais.
Laurance é também co-editor do livro "Ameaças Emergentes
para Florestas Tropicais". Lançado em 1 º de outubro de 2006,
o livro descreve a ameaça que os ecossistemas mais biodiversos do mundo
estão enfrentando.
Em outubro de 2006, falei com Laurance sobre o seu trabalho mais recente e
as perspectivas de florestas úmidas tropicais.
Rhett A Butler (Mongabay): Quais são as maiores ameaças
às florestas tropicais para as próximas gerações?
William F. Laurance: Eu diria que as maiores ameaças são
a maciça expansão da agricultura atualmente em curso, a exploração
florestal e a infraestrutura de transporte (como estradas, rodovias e ferrovias).
Estas mudanças são em grande parte impulsionadas pelo rápido
crescimento populacional em muitos países em desenvolvimento, através
do aumento da industrialização no mundo em desenvolvimento, e
por um aumento impressionante da globalização econômica
e dos mercados internacionais. Evidentemente, as mudanças climáticas
globais e regionais também poderiam se tornar muito importantes no futuro
próximo.
Mongabay: Um estudo da Academia Nacional de Ciências publicado
no mês passado, disse que em algumas partes da Amazônia a quantidade
de terras desmatadas para a agricultura está superando os desmatamentos
para pastagem – tradicionalmente a principal causa do desmatamento amazônico.
Qual é a importância da agricultura em larga escala para o desmatamento
na Amazônia ? Está aumentando? O senhor acredita que a nova ênfase
sobre os biocombustíveis (ou seja, os derivados de soja e óleo
de palma) colocará mais pressão nas florestas do mundo?
Laurance: Neste momento a plantação de soja tem um impacto
enorme na Amazônia, por três razões. Em primeiro lugar, os
próprios agricultores industriais de soja estão desmatando bastante.
Em segundo lugar, os agricultores de soja estão comprando grandes extensões
de terra desmatada dos colonos "corta-e-queima" e de fazendeiros de
gado, e os agricultores e fazendeiros deslocados frequentemente apenas avançam
mais para dentro da floresta, mantendo bastante pressão nas zonas fronteiriças.
Finalmente, os agricultores de soja são uma força política
poderosa que está forçando uma maior expansão de estradas,
rodovias, projetos de canalização de rios, e outros meios de transporte
que cruzarão grandes extensões da Amazônia. Esta infra-estrutura
está agindo como caixa de Pandora – está abrindo a fronteira para
colonização e exploração espontânea sem planejamento
por fazendeiros, agricultores, caçadores e garimpeiros de ouro clandestinos.
Mongabay: Com a ressalva que é difícil prever
os efeitos da mudança climática a longo prazo, qual será
o impacto de um mundo mais quente na cobertura com florestas tropicais? Será
que lugares como o Congo e a Amazônia ainda podem ser reconhecidos como
florestas tropicais?
Laurance: Para florestas em lugares baixos como a Amazônia e o
Congo, as alterações futuras na precipitação, resultantes
do aquecimento global, provavelmente saõ mais importantes que o aumento
das temperaturas. É muito difícil prever mudanças de chuva,
mas uma série de modelos computacionais de primeira qualidade sugerem
que algumas áreas dos trópicos poderiam se tornar muito mais propensas
a secas do que estão atualmente.
Para florestas em áreas mais elevadas, a situação pode
ser muito diferente. Áreas montanhosas nos trópicos (de 600 a
3000 metros de altitude), contém muitas, muitas espécies endêmicas,
adaptadas às condições frias e nubladas das montanhas .
Com as temperaturas em ascensão, espera-se que as faixas geográficas
de muitas espécies endêmicas encolherão e sofrerão
colapso, tornando-as mais vulneráveis à extinção.
Ameaças emergentes à florestas tropicais (University of Chicago Press, 2006)
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Mongabay: Através da Associação de
Biologia Tropical, da qual o senhor é presidente, e através de
suas publicações, o senhor tem defendido utilizar o comércio
de carbono como um método para proteger as florestas tropicais e combater
o aquecimento global. Sabendo que apenas florestas em crescimento retiram o
carbono da atmosfera, isso não significa que nós temos que reabilitar
áreas florestais e plantar árvores para utilização
das florestas como uma ferramenta para mitigar a mudança climática?
Como é que um sistema de comércio de carbono trabalha para a preservação
das florestas existentes?
Laurance: As alterações climáticas podem ser atenuadas
tanto por proteção de florestas antigas, que estão sendo
destruídas rapidamente, quanto por promoção de regeneração
natural ou reflorestamentos em terras já desmatadas. Ambos caminhos são
importantes. Atualmente, os acordos internacionais, como Quioto apenas fornecem
mecanismos financeiros para promover reflorestamentos ou plantações;
eles não fornecem um meio de proteger florestas antigas. O ATBC, da qual
sou presidente, é uma das organizações internacionais que
estão trabalhando para desenvolver mecanismos práticos, com base
em comércio de carbono, a fim de proteger florestas antigas.
A idéia básica, por trás do comércio de carbono
para proteger as florestas existentes, é que nações em
desenvolvimento seriam pagos pelos países industrializados para reduzir
a sua taxa de desmatamento. As nações industrializadas em contra
partida iriam obter créditos de carbono, o que iria ajudá-los
a cumprir seus acordos sobre emissões (de Quioto ou de outros acordos
internacionais). As nações em desenvolvimento iriam obter dinheiro
em troca de concordar com reduções permanentes na sua taxa de
desmatamento.
Na realidade, há uma série de obstáculos práticos
que precisam ser superados antes do comércio floresta-carbono se tornar
viável, mas não quero entediar vocês com todos estes detalhes
técnicos!
Mongabay: Embora os detalhes do plano ainda não terem sido
plenamente articulados, o que pensa da proposta britânica para transformar
partes da Amazônia num "domínio internacional" geridos
por entidades privadas com o objectivo de atenuar o aquecimento global, salvaguardando
serviços de ecosistemas ?
Laurance: Este plano politicamente não é realista. Nações
como o Brasil têm reagido fortemente a esta sugestão, como era
de se esperar. É preciso lembrar que essas são nações
soberanas, e elas não apreciam sugestões mal concebidas como esta,
apesar da ideia básica positiva.
Mongabay: Many environmentalists think of corporations as enemies
of forests or wilderness, but in a 2005 paper you noted that the presence of
an oil company in Gabon actually reduced poaching and protected forests in its
concession. Is this case an exception? Does business have a role in conservation?
Laurance: No Gabão e também nos Neotrópicos, algumas
vezes encontramos mais fácilidade de lidar com empresas internacionais,
como a Shell Oil, do que com as empresas locais, que não têm os
investidores internacionais e não parecem estar muito preocupados com
as pressões públicas para "limpar a sua atuação".
" Nesse sentido, as maiores multinacionais – pelo menos aquelas que se
preocupam com sua reputação e sua participação no
mercado – podem ser mais fáceis de lidar em certas circunstâncias.
No entanto, eu não acho nem por um momento que as empresas não
estejam mais sendo conduzidas pelo princípio básico- a necessidade
de ganhar dinheiro. É só que algumas empresas estão mais
esclarecidas sobre a forma como proceder a esse respeito.
Mongabay: A conservação pode ser rentável um
dia ou precisará sempre subsídios de fora?
Laurance: Em casos selecionados, como naqueles onde o ecoturismo floresce,
penso que poderia ser rentável. Mas na maioria dos casos, penso que fundos
externos serão necessários para tornar a conservação
uma realidad
Mongabay: Você acredita que serviços de ecossistemas
um dia poderão ser plenamente avaliados pelo mundo dos negócios
partindo de uma perspectiva econômica?
Laurance: Eu acho que já estamos avançando nessa direção,
especialmente para armazenagem de carbono e, ás vezes, também para
proteção das cabeceiras dos rios. É gratificante de se ver,
embora ainda temos um longo caminho a percorrer.
Desmatamento no Peru |
Mongabay: Onde tem falhado a conservação?
Para o futuro, qual é o melhor método para proteger as florestas
tropicais e da biodiversidade? ?
Laurance: Bem, ambientalistas não têm realmente conseguido
uma desaceleração significativa da taxa de desmatamento tropical,
particularmente no sudeste da Ásia da Amazônia, e em muitas outras
áreas importantes. As ameaças estão crescendo também
em outras áreas, tais como na Nova Guiné e Congo.
Qual a solução? Uma pergunta difícil. Para começar,
é preciso atacar algumas das fontes básicas do problema, como
o rápido crescimento da população, as diversas influências
da globalização que estão afetando as florestas e as pressões
de doadores internacionais para acelerar exportações de matérias
primas como parte do seu pacote de ajustamento estrutural. Precisamos também
promover mais apoio internacional para a conservação, porque nações
em desenvolvimento ainda estão arcando demais com os custos de oportunidade
para o desenvolvimento e a promoção da conservação.
Mongabay: Que conselho você pode dar aos alunos que pretendem
seguir uma carreira na conservação? Existem graus específicos
que devam considerar ou conservação é tão multifacetado
hoje, que podería ser alcançado por um conjunto de diferentes
disciplinas?
Laurance: Penso que se pode resolver isto de maneiras diferentes. Uma
maneira é seguir a rota da ciência , outra é a rota multidisciplinar.
De qualquer maneira, a chave está no trabalho no estrangeiro e, assim,
obter experiência "mão na massa". A chave é o
desenvolvimento de experiência de longa data em uma área específica.
Adotar uma floresta tropical e trabalhar para salvá-la!
Mongabay: O que as pessoas podem fazer aqui nos Estados Unidos para
ajudar a preservar a biodiversidade tanto local como globalmente?
Laurance: Algumas organizações de conservação,
como a Rainforest Action Network
e Rainforest Alliance,
estão fazendo um bom trabalho. Eu proponho de se envolver. Outros grupos
também são muito boms, com a Wildlife
Conservation Society e Conservation
International. Todos esses grupos realmente precisam de doações
para manter as suas missões em andamento.
Mongabay: Você viajou bastante. Tem um lugar favorito para
visitar?
Laurance: Nunca vou esquecer a parte alta da Nova Guiné – um lugar
com um pé na Idade da Pedra e o outro no século 20. Bornéu
também foi surpreendente, embora desaparecendo num ritmo inacreditável.
E as florestas tropicais do Gabão são maravilhosas – não
há lugar melhor para se ver a vida selvagem.