Esforços para a conservação da Amazônia devem
vir em breve
Esforços para a conservação da Amazônia devem
vir em breve
para salvar a maior floresta tropical do mundo diz líder cientista.
Rhett A. Butler, mongabay.com
18/2/2008
Uma entrevista com o Dr. Philip M. Fearnside do Instituto Nacional de Pesquisa
da Amazônia.
Nos últimos quatro anos o Brasil tem posto de lado mais de 20 milhões
de hectares da bacia amazônica para reservas e proteção.
O país tem agora cerca 110 milhões de hectares, uma área
duas vezes o tamanho da França, sob alguma forma de proteção,
dando-lhe o maior sistema de áreas protegidas no mundo. Isso, combinado
com preços das matérias primas caindo e mais rigorosa aplicação
das leis ambientais, tem ajudado a causar uma queda de quase 40 por cento nas
taxas de desmatamento anual desde 2004. Mais progresso é esperado no
próximo mês nas conversações sobre clima em Nairobi,
quando o governo brasileiro proporá uma expansão da conservação
da floresta tropical no âmbito de um plano que faria países industrializados
cumprir metas de emissões de gases de efeito estufa através de
compensação dos países tropicais pela renúncia ao
desmatamento e reflorestamento de áreas desmatadas. Embora estes sejam
sinais de esperança, uma imensa ameaça está surgindo no
horizonte: a mudança climática poderia causar o desaparecimento
da floresta amazônica até o final do século.
Dr. Philip M. Fearnside. |
Dr. Philip Fearnside, um Professor de pesquisa no Instituto Nacional de Pesquisa
da Amazônia, em Manaus no Brasil e um dos mais citados cientistas sobre
o tema das mudanças climáticas, entende bem essa ameaça.
Tendo passado mais de 30 anos no Brasil e agora sendo reconhecido como um dos
principais especialistas do mundo no assunto da floresta amazônica, Fearnside
está trabalhando para conseguir nada menos do que salvar este notável
ecossistema.
Fearnside acredita que salvar a Amazônia vai exigir uma mudança
fundamental de percepção, onde a Amazônia é reconhecida
como um ativo muito além do seu preço atual de mogno, soja, ou
gado, e onde seu valor só é desbloqueado pela sua destruição.
"A Amazônia vale muito mais do que isso", diz ele. "Ela
pode desempenhar um papel essencial na luta contra as mudanças climáticas,
enquanto fornece sustento econômico para milhões através
de uma agricultura sustentável e a exploração racional
dos seus produtos renováveis. Ela pode servir como um armazém
de biodiversidade e ao mesmo tempo garantir o abastecimento confiável
de água e moderar a temperatura e a precipitação regionais.
Em suma, mantendo-se a Amazônia como um ecossistema viável faz
sentido economica e ecologicamente – é do nosso melhor interesse preservar
esse recurso, enquanto ainda podemos.
Em uma entrevista com mongabay.com em outubro 2006, Fearnside elaborou sobre
estes conceitos, revelando seu pensamento sobre o futuro da Amazônia,
a conservação na região, a falta de liderança dos
E.U. referente as alterações climáticas e ao desmatamento,
e o que nós podemos aprender das culturas pre-colombianas.
Mongabay: Parece haver uma variedade de estimativas sobre as causas
atuais do desmatamento na Amazônia, como você poderia desdobrar
as fontes da perda de floresta na região? Você espera que a contribuição
destas fontes deva mudar durante a próxima geração?
Fearnside: O desmatamento ocorre por uma série de razões.
As forças motrizes do processo variam entre as diferentes partes da região.
Eles também são objeto de uma seqüência de alterações
ao longo do tempo em qualquer local, bem como a mistura de forças na
região como um todo muda ao longo do tempo. Novas forças, como
a soja e a procura dos mercados internacionais por carne bovina congelada, são
acrescentados as antigas forças, como especulação imobiliária
e a utilização de desmatamento para garantir a posse e a titulação
de terras por grandes e pequenos atuantes. Durante a próxima geração
pode-se esperar o aumento das forças de mercado, como da soja e da carne
bovina, junto com novos produtos, como os biocombustíveis. Outras forças,
como especulação imobiliária podem diminuir porque o governo
está ampliando seu controle sobre áreas que no momento têm
um ambiente social.tipo "faroeste".
Mongabay: Qual é a sua perspectiva em 20 anos para a floresta amazônica?
50 anos? Como vão as mudanças climáticas afetar a Amazônia?
Dr. Philip M. Fearnside no Brazil. |
O desmatamento está progredindo rapidamente, e se continuar durante
20 ou 50 anos, o resultado seria desastroso. No entanto, é muito importante
para não sucumbir ao fatalismo que tão frequentemente afeta discussões
sobre a Amazônia. O que acontece depende de decisões humanas.
Isso inclui não só os desmatamentos diretos que estão
destruindo a floresta, mas também as alterações climáticas
que ameaçam de destruir a floresta, mesmo sem nenhum desmatamento adicional.
Acredita-se que o aquecimento global seja a causa dos aumentos observados na
freqüência dos fenômenos de El Niño, que são
causados por águas quentes superficiais no Oceano Pacífico. A
maioria dos modelos climáticos agora prevêem o desenvolvimento
de fenômenos "permanentes" semelhantes ao El Niño no
Pacífico. Um modelo de clima (o modelo Hadley Center do Escritório
Meteorológico do Reino Unido) mostra este El Niño permanente resultando
em desaparecimento catastrófico da floresta amazônica até
2080, se o aquecimento global não estiver controlado. Outros modelos
atualmente não mostram a ligação entre condições
semelhantes ao El Niño e a sêca na Amazônia. Infelizmente
para nós, o fato do El Niño provocar sêca na Amazônia
é conhecido baseado em observações diretas – e não
depende dos resultados de modelos climáticos. Isso é óbvio
para qualquer pessoa na Amazônia que viu os incêndios durante os
El Niños de 1982-1983, 1997-1998 e 2003. A ameaça de um "El
Niño permanente" , portanto, tem que ser levada muito a sério.
Mais uma vez, ele depende de quanto a sociedade considera o problema de ser
sério. Se o uso de combustível fóssil e desmatamentos forem
reduzidos de modo a refletir a importância do problema e, então
o pior poderia ser evitado. Se isso não acontecer, o perigo de um "efeito
estufa desenfreado", escapando do controle humano, torna-se muito maior.
A desintegração da floresta amazônica, com a liberação
dos estoques de carbono na biomassa e no solo, seria um fator significativo
para nos empurrar para um efeito estufa descontrolado.
Mongabay: Em um capítulo que o senhor escreveu recentemente
em Ameaças Emergentes para Florestas
Tropicais, o senhor argumentou que "desmatamento evitado"
tem o maior potencial para atingir tanto benefícios climáticos
quanto outros benefícios ambientais, como a preservação
da biodiversidade. O senhor acredita que as novas iniciativas de conservação
da floresta em troca de compensação pecuniária promovidas
pela Coalição de Nações de Florestas Tropicais,
e logo pelo Brasil, são um passo na direção certa? Estão
sendo desenvolvidos melhores esquemas alternativos ? Estas propostas vão
exigir algum tipo de capitulação por parte dos Estados Unidos
referente a sua posição oficial sobre a mudança climática?
Fearnside: O "desmatamento evitado" tem um grande potencial,
tanto na luta contra o aquecimento global quanto na função de
manter a floresta amazônica com todos os seus serviços ambientais,
onde o armazenamento de carbono é só uma parte. As propostas da
Coalição das Nações de Florestas Tropicais e do
Ministério do Meio Ambiente do Brasil são certamente positivas.
As propostas são de contribuições voluntárias para
um fundo, o que aparentemente é visto como o máximo politicamente
viável para obter a aprovação. Espero que no futuro pagamentos
referentes ao "desmatamento evitado" representarão crédito
de carbono para as quotas obrigatórias que os países industrializados
assumem no âmbito do Protocolo de Quioto. Obviamente, isso representa
uma forma de crédito onde muito mais dinheiro está potencialmente
envolvido, com um potencial correspondente maior para substituir a atual economia
da Amazônia baseada em destruir a floresta.
Os Estados Unidos devem voltar a participar do processo internacional de negociação
e concordar em fazer sérias reduções nas suas emissões.
Dito isto, o resto do mundo não pode permitir que a posição
atual dos E.U. sirva como desculpa para outros países a fazer muito pouco
ou nada, enquanto esperam que o governo dos E.U. acorde. Evitar desmatamento
deve ser uma parte dos esforços para reduzir o aquecimento global, com
ou sem os Estados Unidos. Meu site (http://philip.inpa.gov.br)
possui uma grande quantidade de informações sobre "desmatamento
evitado" como uma opção de mitigação, bem como
informações sobre outros desenvolvimentos e controvérsias
na Amazônia.
Mongabay: As recentes descobertas da chamada "terra preta"
(terra preta do índio) no Brasil ajudaram a apoiar a teoria de que a
floresta amazônica foi, tempos atrás, domicílio de culturas
avançadas e grandes populações sedentárias. Quais
são as implicações dessas descobertas para conservação?
Há uma maneira na qual o carbono poderia ser aglomerado de uma forma
semelhante e usado para fazer a Amazônia mais produtiva para agricultura?
Aumentando a fertilidade da Amazônia para culturas será prejudicial
para a floresta, a longo prazo, por abri-la para o desenvolvimento?
DESMATAMENTO NO BRASIL: 60-70 por cento do desmatamento na Amazônia |
Fearnside: Terra Preta não é exatamente uma " descoberta
recente". O fato de que povos indígenas no passado influenciaram
as florestas que nós vemos da Amazônia hoje, é importante
para a compreensão dessas florestas. O solo em lugares de "terra
preta" é mais fértil e produtivo para a agricultura que quaisquer
outros solos na Amazônia. Sua extensão é limitada e dispersa
em pequenas áreas, tornando-as mais importantes para os pequenos agricultores
do que para os grandes proprietários.
A possível importância de "terra preta" na mitigação
do aquecimento global reside nos esforços para reproduzir o processo
de formação do solo para criar "terra preta nova". Isso
aumentaria não somente a sustentabilidade de qualquer plantação,
mas também de armazenar mais carbono no solo. Carvão vegetal finamente
pulverizado é um importante ingrediente da "terra preta" e
está sendo testado separadamente como um aditivo de melhoramento do solo
que aumenta a absorção pelas plantas de quaisquer nutrientes que
são adicionados ao solo. Pelo menos teoricamente, o plano é a
utilização dessas técnicas para recuperação
de áreas que já estão desmatadas. As áreas já
desmatadas são suficientemente grandes para que quaisquer programas de
recuperação de seus solos, criando nova "terra preta",
poderiam ser ocupados por um longo período. Se essas técnicas
provam ser um grande sucesso, capazes de remover limitações de
solo em grandes áreas a baixo custo, é evidente que logo em seguida
seriam necessários mais esforços para estas técnicas não
se tornarem um novo incentivo para o desmatamento. A maneira adequada de lidar
com essa possibilidade é reforçar o controle e a influência
sobre uso da terra, em vez de negligenciar ou mesmo ativamente dificultar o
desenvolvimento da tecnologia para criar nova "terra preta".
Mongabay: Em sua experiência, mandatos de desenvolvimento
sustentável podem entrar em conflito com as iniciativas de conservação?
Em caso afirmativo, como é que vamos numa maneira melhor encontrar um
equilíbrio entre a preservação de áreas naturais
e a manutenção da população residente no local ?
Fearnside: "Reservas de desenvolvimento sustentável",
"reservas extrativas" e várias formas de gestão de extração
de madeira para florestas nacionais e estaduais ganharam importância no
Brasil no meio dos esforços recentes de criação de reservas.
Isto é, em primeiro lugar, porque é muito mais fácil convencer
as autoridades governamentais para criar reservas deste tipo, especialmente
quando são grandes. O Estado do Amazonas tem ampliado significativamente
desta forma seu sistema de reservas ao longo dos últimos quatro anos.
A desvantagem é que algumas áreas que têm elevado valor
de biodiversidade e poucos residentes seriam adequadas para unidades de categorias
de conservação que oferecem proteção completa, como
parques nacionais e estações ecológicas, mas em vez disso
acabam em uma categoria politicamente mais fácil, mas menos protegidas.
O caso a ser decidido no momento é referente as reservas propostas ao
longo da rota planejada de reconstrução da rodovia BR-319 (Manaus-Porto
Velho), onde alguns atuantes-chave do governo estadual somente querem áreas
de "desenvolvimento sustentável" em vez de áreas completamente
protegidas que são favorecidas como parte da área pelo Ministério
do Meio Ambiente. De novo, ver o meu site (http://philip.inpa.gov.br)
para obter informações sobre a BR-319 e muitas outras controvérsias
na Amazônia
Mongabay: O que o senhor acredita que funcione ou não nos esforços
atuais de conservação? O senhor viu mudanças nas estratégias
para preservação florestal desde que começou a trabalhar
na Amazônia? Mudaram percepções das populações
locais e dos governos em relação aos biólogos de conservação?
Rã macaco gigante (topo), Dossel da Floresta Amazônica. Fotos |
Fearnside: Na prática, conservação é uma
combinação de estratégias cuidadosamente planejadas e ações
rápidas para tirar proveito das oportunidades que vão surgindo.
Estudiosos tendem a concentrar-se em cuidadosamente estudar análises
para estabelecer prioridades. Como um dos primeiros a aplicar técnicas
de análise de brechas para o problema da criação de reserva
na Amazônia brasileira, posso ser acusado dessa síndrome. No entanto,
abordagens oportunistas muitas vezes podem resultar em avanços muito
maiores. A grande quantidade de reservas antigas criadas por Paulo Nogueira
Neto seguiu esta abordagem. Exemplos recentes disso incluem a criação
do Parque Nacional do Tumucumaque (o maior do Brasil), bem como a série
de reservas criada na sequência do assassinato da Irmã Dorothy
Stang, em fevereiro de 2005.
Biólogos de conservação representam uma profissão
crescente, e tem muito trabalho a ser feito nesta área na Amazônia.
A população, bem como os governos locais, estão cada vez
mais conscientes dos conflitos potenciais com os interessados na conservação.
Geralmente eles fazem pouca distinção entre pesquisadores e ativistas,
por isso a suspeita de ameaçar interesses de "desenvolvimento"
às vezes pode ser um impedimento significativo no campo. Creio que o
valor da conservação das florestas referente aos seus serviços
ambientais oferece um recurso que acabará se revelando como mais importante
para a população local do que os lucros das atividades destrutivas
de hoje. No entanto, isto não é algo que possa acontecer da noite
para o dia. Ver http://philip.inpa.gov.br
para obter informações sobre os serviços ambientais como
uma alternativa de desenvolvimento na Amazônia.
Mongabay: Quais são seus pensamentos sobre as iniciativas
privadas de conservação, como os esforços Doug Tompkins
no Chile? Será que tem uma chance de sucesso considerando a oposição
local e do governo (quando e onde existe)?
Fearnside: Esforços privados de conservação que
envolvem compras de terra por estrangeiros não são opções
úteis no Brasil. Seria melhor se os estrangeiros investissem em ajudar
grupos brasileiros para promover a conservação, inclusive ajudando
os governos federal e estadual para criar e defender as suas próprias
áreas protegidas. Organizações internacionais bem como
brasileiras, não governamentais (ONG), estão ativos neste processo.
Mongabay: Que conselho o senhor pode dar aos alunos que pretendem
seguir uma carreira na conservação? Existem graus específicos
que devem considerar ou a conservação é hoje tão
multifacetada, que podería ser alcançada por um conjunto de diferentes
disciplinas?
Fearnside: A conservação é um campo vasto que
requer habilidades em muitas áreas. Obviamente, biologia representa o
núcleo da maioria das atividades. No entanto, a geografia é também
muito procurada, principalmente a utilização de sistemas de informação
geográfica (SIG) e técnicas de sensoriamento remoto. Estudos antropológicos
nos diversos tipos de reservas de desenvolvimento sustentável e em zonas
tampão são igualmente importantes. Em geral, no entanto, o melhor
conselho é estudar a ciência núcleo em primeiro lugar, neste
caso na biologia de conservação, e em seguida, pegar ferramentas
específicas, tais como SIG como um complemento, e não o inverso.
Mongabay: O que os indivíduos podem fazer aqui nos Estados
Unidos para proteger florestas tropicais? E sobre a conservação
da biodiversidade, tanto local como globalmente?
Fearnside: O que indivíduos fazem para florestas tropicais varia
entre dar dinheiro para causas dignas até dedicar sua vida inteira de
trabalho para estes problemas. Uma variedade de opções de consumidores
pode ajudar, como a utilização de madeira certificada através
do Forest Stewardship Council (FSC). No entanto, é mais básico
para os Estados Unidos e arrumar a própria lei ambiental do país.
Com os E.U. não querendo parar de cortar os últimos vestígios
da sua propria mata virgem ou "de crescimento antigo" no Noroeste
da costa do Pacífico e no Alasca, apelos de parar desmatamento para países
como o Brasil são naturalmente vistos como hipócritos, embora
a base do argumento para ignorar todas as sugestões de fontes norteamericanas
e construida sobre um engano lógico: argumentum ad hominem, ou atacar
o homem, em lugar do argumento.
Ainda mais importante é a desproporcional grande contribuição
dos E.U. para as emissões globais de gases com efeito estufa e a relutância
do governo de se comprometer para sérias reduções de emissões.
A retirada de Bush do Protocolo de Quioto, em 2001, foi um erro grave, a magnitude
do qual qualquer um nos E.U. parece estar felizmente desatento.A readesão
ao processo de Quioto e fazendo reduções significativas nas emissões,
ajudaria a reduzir os prejuízos que a percepção da hipocrisia
inflinge aos esforços dos E.U. referentes as florestas tropicais. A adesão
teria também benefícios diretos, uma vez que o aquecimento global
é uma das principais ameaças à florestas tropicais em lugares
como a Amazônia.
Mongabay: Qual é o seu lugar preferido na bacia amazônica?
Fearnside: O meu local predileto fica no topo das torres que o INPA sustenta
com o projeto LBA no norte de Manaus. Aos 65 m de altura você está
bem acima do dossel e, quanto você pode enxergar em todas as direções,
somente existe floresta. Nenhuma clareira está à vista. Isso provavelmente
não é de longa duração, se Manaus estiver ligada
ao Arco do Desmatamento pela rodovia BR-319. Além disso, esta vista é
totalmente diferente do que você poderia ver em qualquer parte do Leste
e do Sul da Amazônia, onde a floresta já foi reduzida a fragmentos.