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Caça comercial pode ser a maior ameaça às florestas tropicais

Caça comercial pode ser a maior ameaça às florestas tropicais

Caça comercial pode ser a maior ameaça às florestas tropicais
Rhett A. Butler, mongabay.com
1/1/2008

Novos estudos mostram o impacto ecológico da perda de animais da floresta tropical
para o mercado de carnes de caça

A caça comercial está dizimando populações de vida selvagem ao longo dos trópicos e pode ser uma das mais graves ameaças que a floresta tropical está enfrentando hoje, relata uma série de estudos publicados na edição de maio da revista Biotropica. A pesquisa revela que perdas em larga escala de vida selvagem já está afetando a saúde e regeneração da floresta.

Contexto Histórico

O homem tem caçado a vida selvagem nas florestas há longo tempo, mas nos últimos 50 anos a comercialização das mortes dispararam um incremento rápido no processo de extinção da vida selvagem.

Revisando um conjunto abrangente de estudos sobre o impacto da caça no Sudeste da
Ásia, Dr. Richard Corlett, biólogo da Universidade de Hong Kong, documenta que a
extinção em massa de grandes animais é uma ameça real na região. Ele diz que embora
o homem tenha caçado a vida selvagem nas florestas da Ásia por no mínimo 40.000
anos, hoje há apenas uma única extinção confirmada — o pangolim gigante, um
animal escamado comedor de formigas que uma vez vagou pelas florestas do Sudeste
da Ásia. Entretanto, este pode não ser o único caso por muito tempo.

número de animais mortos regionalmente para o comércio de carne: África, Ásia e a Amazônia

    A taxa média de esgotamento da vida selvagem para grande mamíferos (> 1 quilograma
    de massa corpórea no adulto) nas florestas tropicais é de 6,0 animais por quilômetro
    quadrado por ano no Sudeste da Asia (2 estudos), 17,5 animais na África (2 estudos)
    e de 8,1 animais na América Latina (5 estudos) de acordo com os dados derivados
    de J. Robinson and E. Bennett, Eds., Hunting for Sustainability in Tropical Forests
    (Columbia University Press, New York, 1999). Gráfico e foto do jovem gorila no Gabão
    por Rhett A. Butler.

“Não existe evidência sólida para pressões insustentáveis da caça até os últimos
2 ou 3 mil anos, quando elefantes, rinocerontes e várias outras espécies foram eliminadas
de grande parte de sua abrangência,” ele escreve. “Nos últimos 50 [anos], a importância
das caçadas para subsistência foi incrementalmente sobrepassada pela caça comercial. A biomassa caçada é dominada pelas mesmas espécies que antes, vendidas
na sua maioria para o consumo local, mas uma quantidade numerosa de espécies é dirigida
para o colossal comércio regional de animais selvagens e suas partes para alimentação,
remédios, matéria prima e animais de estimação.”

Historicamente a situação é apenas um pouco melhor na África, onde cerca de 3/5
dos grandes mamíferos estão sendo caçados na Bacia do Congo em taxas que ameaçam
sua existência, de acordo com o Dr. Carlos A. Peres da Universidade de East Anglia
na Inglaterra e o Dr. John Fa do Durrell Wildlife Conservation Trust em Jersey.

Comparativamente, a situação na Amazônia é melhor do que na Ásia e na África, apesar de que as pesquisas do Dr. Peres e Erwin Palacios do Conservation International na Colômbia indicam que a pressão da caça na Amazônia é frequentemente subestimada e a densidade de fauna silvestre está diminuindo rapidamente, mesmo em áreas bastante remotas. As espécies maiores são as primeiras a ir.

estimativa da escala global de comércio de carne da vida selvagem -- número de animais mortos anualmente: África, Ásia e Amazônia

Estas estimativas aproximadas, mostrando os milhões de animais mortos à cada ano
na África, Ásia e na Amazônia pela caça de subsistência e para comércio de carne,
são extrapoladas dos dados de J. Robinson e E. Bennett (1999), números sobre a cobertura
florestal são do U.N. Food and Agricultural Organization (2005), e números
em J. Robinson and K. Redford, Eds., Neotropical Wildlife Use and Conservation
(University of Chicago Press, Chicago, IL, 1991); Os números incluem mamíferos,
pássaros e répteis. Estimativa, gráfico e foto do macaco red howler na Colômbia
por Rhett A. Butler. Favor notar que estas são apenas estimativas rudimentares —
não há presentemente projeções confiáveis para o número de animais caçados à cada
ano.

“Esta é a meta-análise mais robusta, abrangente e de mais larga escala, dos efeitos
da caça de subsistência em populações de vertebrados jamais conduzida para uma grande
região de floresta tropical,” disse Peres ao mongabay.com por email. “Esta análise
mostra claramente que declínios mediados pela caça em espécies sensíveis são muito
piores do que pensávamos.”

“A extensão total da fauna parcialmente removida, das de outra forma intactas florestas
tropicais, é frequentemente subestimado. Por exemplo, caçadores de subsistência
têm acesso à maior parte das áreas baixas da Amazônia, afetando até o centro de
reservas indígenas e naturais relativamente remotas,” relatam Peres e Palacios.
“Só 1,6 por cento da Amazônia brasileira é estritamente protegida no papel e inacessível
aos caçadores… A maior parte das aves e mamíferos de caça tem sido severamente
reduzidos até uma pequena fração de suas densidades populacionais originais, frequentemente
apenas de 1 a 5 por cento da densidade das mesmas espécies florestais protegidas
similares.”

Fatores amplificando a exaustão da vida selvagem

“Esta é a meta-análise mais robusta, abrangente e de mais larga escala, dos efeitos da caça de subsistência em populações de vertebrados jamais conduzida para uma grande região de floresta tropical,” disse Peres ao mongabay.com por email. “Esta análise mostra claramente que declínios populacionais em espécies sensíveis mediados pela caça são muito piores do que pensávamos.”

“A extensão total da fauna parcialmente removida de florestas sobre-caçadas, mas por outro lado estruturalmente intactas, é frequentemente subestimada. Por exemplo, caçadores de subsistência têm acesso à maior parte das áreas baixas da Amazônia, afetando até as porções centrais de reservas indígenas e parques relativamente remotos,” relatam Peres e Palacios. “Só 1,6 por cento da Amazônia brasileira é estritamente protegida no papel e inacessível aos caçadores… A maior parte das aves e mamíferos cinegéticos tem sido severamente reduzidos até uma pequena fração de suas densidades populacionais originais, frequentemente apenas de 1 a 5 por cento da densidade das mesmas espécies em áreas de floresta similares mas nunca antes caçadas”

“As novas tecnologias incluem armas, armadilhas, lanternas à bateria e transporte
motorizado tem largamente substituído tecnologias tradicionais de caça mesmo
entre indígenas. Coletivamente, a mudança no uso da terra, melhorias na infraestrutura
e novas tecnologias aumentaram o retorno pelo tempo gasto em caça e tornou possível
aos caçadores esgotar suas presas à níveis mais baixos. Esses fatores se combinam
para criar a crise atual da ‘carne selvagem’ ou ‘carne de caça’ tropicais,” acrescentam
os autores.

Na Ásia, diz o Dr. Corlett, a pressão do mercado sobre a vida silvestre é particularmente
intensa.

Estradas da extração de madeira estão contribuindo para o comércio de carne de caça
no Congo e em outras partes do mundo. Foto de Richard Ruggiero da WCS. Extraído
de Elefantes das florestas
do Congo em declínio por estradas de extração de madeira e marfim ilegal

“Outro maior condutor do aumento da pressão exercida pela caça foi o desenvolvimento
de mercados e das rotas de mercado associadas para quase qualquer mamífero que possa
ser capturado. O espectro de espécies envolvidas parece ser uma característica única
dos mercados asiáticos de vida selvagem, e este mercado tem fortes bases culturais
em ambos os lados, da demanda e do fornecimento,” ele escreve. “A demanda por alimentos
de luxo e outros produtos animais não-comestíveis vem em sua maior parte de um mercado
urbano cada vez mais próspero, capaz de pagar preços altos e disposto (às vezes
inconscientemente) a aceitar substitutos quando uma espécie anteriormente preferida
é extinta. Este tipo de pressão tem o potencial de esvaziar as florestas de quase
todas as espécies de mamíferos.”

Corlett acrescenta que a fragmentação da floresta tem tornado mais fácil a caça
embora o aumento da população tenha conduzido a demanda.

“A maior mudança neste período tem sido a crescente acessibilidade das florestas
remanescente aos caçadores e seus mercados, como resultado da fragmentação da floresta,
crescimento populacional e melhorias de infraestrutura. Nos anos 1990, “fronteiras
florestais” — grandes ecossistemas de floresta natural mais ou menos intactos
— sobreviveram na Ásia tropical mais do que em qualquer outro lugar nos trópicos,
e muitos países na região (China, Índia, Laos, Vietnã e Filipinas) ja perderam entre
98-100 por cento.”

Ele diz que a Indonésia, país com a maior área restante de fronteira florestal,
tem “sofrido desmatamento massivo” na última década e que muito da floresta que
não foi removida sofreu extração de madeira, “resultando em um temporário incremento
da pressão pela caça para fornecer carne aos acampamentos de madeireiros e um incremento
permanente na acessibilidade.”

As tendências para a vida selvagem não são favoráveis.

Implicações ecológicas das florestas “meio-vazias”

O impacto da “defaunação” na ecologia da floresta tropical é significante, afetando
a dispersão de sementes e a predação, a qual, em seu turno, altera o equilíbrio
das espécies e as dinâmicas da floresta. Cinco artigos da seção especial de Biotropica
examinam estes efeitos: dois olham o impacto da caça sobre a dispersão das sementes,
enquanto os outros examinam o significado da perda de vida selvagem para a germinação
e muda da composição das espécies.

Corlett fornece uma ilustração mostrando o impacto causado pelo desaparecimento
de espécies comedoras de frutas.

Apesar de mais de uma década de proibição à caça de lemures em Madagascar, os primatas
ainda são pegos em armadilhas e baleados em áreas remotas. Foto de Rhett A. Butler.

“Todos os maiores agentes de dispersão para frutas grandes na região Oriental — grandes aves, primatas, morcegos de grandes frutas, algálias e herbívoros terrestes — são caçados, e muitas espécies já foram eliminadas da maior parte de suas abrangências naturais. Os únicos mamíferos frugívoros que se desenvolvem em paisagens dominadas pelo homem são pequenos morcegos de pequenas frutas,” escreve. “Aves não podem compensar a perda dos mamíferos em tais paisagens, mesmo para espécies de frutas consumidas por ambos os grupos, por que apenas espécies de bico pequeno sobrevivem.”

Similarmente, Peres e Palacios sugerem que a sobre-caça de vertebrados de grande porte frugívoros nas florestas da Amazônia pode “produzir um colapso nos serviços de dispersão de sementes para muitas espécies de plantas ” em algumas áreas, alterando a composição da comunidade de plantas.

Resumindo os cinco artigos, Wright e colegas escrevem que a pesquisa demonstra “que
a caça tem efeitos difundidos na comunidade de plantas da floresta tropical alterando
níveis de predação de sementes pré-dispersão, da dispersão primária e secundária
e de predação de sementes pós-dispersão, o qual, por sua vez, altera a germinação
e muda da composição das espécies.”

“Uma possibilidade desencorajadora é de que a composição das espécies de plantas
pode mudar para um novo estado estacionário com espécies cruciais de plantas ausentes
ou em número tão baixo que os animais falhem ao recuperar,” advertem.

Resolvendo a crise da caça

‘Porco barbudo’ selvagem em Bornéu. Porcos são largamente caçados na Indonésia.

Restos do abate de um porco em um acampamento de caçadores. Fotos tiradas na Indonésia
por Rhett A. Butler.

Mesmo com o aumento da crise da caça, os pesquisadores estão esperançosos.

Corlett acredita que uma das chaves para endereçar a caça não-sustentável é primeiro
reconhecer que é uma ameaça.

“Penso que a mensagem principal é que os conservacionistas na Ásia tropical —
particularmente no Sudeste da Ásia — não têm dado suficiente atenção à caça,”
disse ele ao mongabay.com por email. “O foco tem sido primeiro na taxa reconhecidamente
horrenda de perda florestal e, em segundo, sobre a extração madeireira. Entretanto,
muito da floresta restante, protegida ou não, com extração madeireira ou não, tem
perdido a maioria ou todos os seus grandes mamíferos. Precisamos resolver o problema
da caça nas áreas protegidas existentes, ao invés de acrescentar mais “reservas
de papel.” Isso requer ação em ambas as pontas — policiamento na floresta
e controle do comércio local e regional de animais selvagens e das partes que o
alimentam. Penso que isto pode ser feito.”

“O projeto ‘Coração do Bornéu’ da WWF é um bom exemplo de plano que não aparenta
dar atenção adequada à caça. Se a Malásia não pode proteger a fauna da floresta
mais botanicamente diversa do mundo em Lambir, que esperança há para o interior
de Bornéu?”

Embora notando que a maior parte da caça no Sudeste da Ásia é ilegal mas que a imposição
da lei é atualmente fraca, Corlett diz que há exemplos “de que os impactos da caça
podem ser grandemente reduzidos onde há suficiente vontade política.”

Wright e seus colegas concordam.

“É agora vastamente reconhecido que a coleta sustentável de vida selvagem é incompatível
com a persistência dos vertebrados grandes e de reprodução lenta da floresta…
Embora possam haver ganhos de curto prazo para os caçadores ao super-esgotar a vida
selvagem, estes ganhos não são o bastante para tirá-los permanentemente da pobreza,”
escrevem. “Uma gama de ações foi sugerida para reduzir o impacto da caça nas comunidades
de vertebrados da floresta tropical… mas só o policiamento tem o potencial para
agir rápido o suficiente para prevenir a extinção regional, e em alguns casos global,
das espécies mais vulneráveis.”

Os autores dizem que a prioridade principal deveria ser controlar o comércio de
produtos da vida selvagem em escala local, regional e global. Eles salientam o lançamento
do ASEAN (Association of Southeast Asian Nations) Wildlife Law Enforcement Network
como “um passo na direção correta.”

Operando sob a premissa de que controlar a caça será mais fácil se a demanda é reduzida,
Wright e seus colegas argumentam que campanhas para educação e conscientização podem
ajudar a cortar a demanda por produtos da vida selvagem. Dizem que zoológicos deveriam
ser aliados neste esforço, apesar que os maiores ganhos virão do envolvimento de
pessoas locais na conservação ao contratar antigos caçadores como guardas florestais,
guias e assistentes de pesquisa. Isso irá ajudar as pessoas do lugar a verem a vida
selvagem da floresta como uma fonte recorrente de rendimentos — muito mais
que uma refeição — e ajudar a construir suporte para as iniciativas de conservação
que protegem a vida selvagem e os ecossistemas.

“O controle da caça e do comércio da vida selvagem deveria ser a primeira prioridade
para os governos, ONGs e conservacionistas na Ásia tropical e sub-tropical. Reduções
no desmatamento e na exploração madeireira, e o estabelecimento de novas áreas protegidas,
são todas urgentemente necessárias, mas sem uma drástica redução na pressão da caça,
elas não serão suficientes para salvar os grandes mamíferos da fauna regional da
extinção. A menos que ações imediatas sejam tomadas, as extinções da mega-fauna
que eliminaram metade do gênero mamífero do mundo — 45 [kg] nos últimos
50.000 anos — terá sido apenas adiado na Ásia tropical,” conclui Corlett.

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